Pandemia de coronavírus eleva procura por serviço de home care

Serviço ‘desafoga’ sistema público de saúde, que enfrenta falta de leitos hospitalares
Divulgação
Os custos da atenção domiciliar, segundo empresas do setor, são em média 40% a 60% mais baixos em relação ao ambiente hospitalar para o mesmo quadro clínico

Depois de passar dois meses intubada em razão da Covid-19, a radialista Adma Augusta da Silva não aguentava mais ficar no hospital. Embora já tivesse sido extubada, ainda precisava ficar no respirador, e não poderia receber alta. Para que pudesse voltar para casa, ela procurou um serviço de home care.

Chega uma hora que o paciente não aguenta mais hospital. Eu estava me sentindo melhor, mas não podia sair do respirador. Procuramos o plano de saúde, que indicou esse serviço para mim. Foi muito bom porque eu pude ficar em casa com a família, sendo cuidada pela família”, conta a radialista, que teve 90% do pulmão comprometido pela doença.

Adma precisou de serviço de home care por três meses sendo tratada por profissionais como enfermeiros, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e nutricionista, recebendo medicamentos e oxigênio por um tempo. Ela adoeceu em julho do ano passado, mas em 2021, ainda está em recuperação.

“Agora que estou começando a andar, levantar da cadeira, entrar no carro sozinha.”

O engenheiro civil Wilson Mandelli contraiu a Covid-19 em setembro do ano passado e, quando o quadro começou a piorar, teve de ser internado. Lá, precisou ficar na UTI e ficou 45 dias intubado. Chegou a entrar em coma. No total, o engenheiro ficou 60 dias no hospital.

“Em outubro, quando voltei para a minha casa, não me mexia, não andava, falava muito devagar e estava muito fraco. Tinha perdido 14 quilos. Foi montado um sistema na minha casa com dois enfermeiros que se revezavam e duas fisioterapeutas, uma na parte do respiratório e outra na parte muscular”, conta Mandelli. “Você fica 100% dependente deles para comer, se vestir, tomar banho.” Em casa, ele também recebia oxigênio e medicamentos.

Neste período, além de ficarem no conforto do lar, o engenheiro e a radialista deixaram de ocupar um leito do sistema hospitalar da cidade, que hoje se encontra saturado devido aos casos de Covid-19. O boletim da Secretaria Municipal de Saúde deste domingo (27) mostra que os leitos de UTI adulto exclusivos para a doença estavam 99% tomados, e os de enfermaria, com 69% de ocupação. Dentre os leitos gerais, a ocupação era de 87% na UTI adulto e de 54% na enfermaria. Em todo o Estado, havia neste último sábado (26) 282 pacientes aguardando um leito clínico ou de UTI.

Empresários do setor de atenção domiciliar de saúde constataram aumento da procura pelo serviço após o início da pandemia. A procura veio de pacientes com Covid hospitalizados com quadros estáveis, não intubados, e de pacientes pós-Covid, que precisam continuar tratando as sequelas da doença com uma equipe multidisciplinar, mesmo após se curarem. Entre as complicações, estão atrofia muscular, dificuldades respiratórias e crises de ansiedade.

“Esse paciente que estava no hospital, uma porcentagem vai precisar continuar fazendo reabilitação pós-Covid”, afirma Emerson Veduvoto, proprietário do serviço de home care Bem Multiprofissional, que atende a região Norte do Paraná. Ele afirma que a pandemia aumentou de quatro a cinco vezes a demanda pelo serviço. Os casos são encaminhados pelos médicos, atendendo a critérios de elegibilidade, após aprovação do plano de saúde. O serviço também é oferecido nos âmbitos público e particular.

O setor afirma que o atendimento domiciliar serviu como uma válvula de escape para o sistema hospitalar, que está saturado em todo o Brasil. “Temos pacientes que, se não estivessem sendo atendidos em casa, estariam no hospital e, consequentemente, não teria hospital”, diz Veduvoto.

Proprietário da Lar e Saúde, de Curitiba, Rafael Casagrande diz que a empresa observou crescimento de cerca de 17% no ano de 2020 na procura do serviço, índice que se sustenta em 2021, mas que a demanda já vinha aumentando nos últimos anos devido à escassez de leitos no sistema público de saúde. “77% do território nacional não atinge o índice previsto pela OMS (Organização Mundial de Saúde) de 3 a 5 leitos para cada mil habitantes. Tem uma defasagem de leitos tanto no serviço público quanto na saúde suplementar. Já vínhamos com hospitais rondando a faixa dos 85% a 90% de ocupação quando iniciou a pandemia, e as primeiras cidades (com casos de Covid) do Brasil tiveram sobrecarga de leitos e incremento da assistência domiciliar devido a uma atuação das operadoras e dos próprios hospitais em liberar leitos.”

O diretor do Nead (Núcleo Nacional das Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar), Ari Bolonhezi, confirma o aumento da demanda. “A partir do ano passado, com o advento da Covid-19, houve sim um incremento da atenção domiciliar, que vem se mostrando uma importante ferramenta de gestão dentro de saúde em geral”, comenta. “Em vez de criar mais leitos, pode ter uma gestão

melhor de leitos através da atenção domiciliar.” Segundo ele, logo no início da pandemia houve um aumento súbito de 15% na demanda por serviço de atendimento domiciliar, índice que se manteve ao longo do ano passado e em 2021, na média.

Em um segundo momento, a procura pelo serviço domiciliar também teria vindo de pacientes recém-diagnosticados, que não precisavam de hospitalização e poderiam ser monitorados em casa, mantendo os cuidados sanitários necessários. “As pessoas estavam indo para o hospital muito mais por segurança, ansiedade do que propriamente por questão clínica, e isso ajudou a aumentar o nível de ocupação dos hospitais”, argumentou Casagrande.

CUSTOS SÃO EM MÉDIA 40% A 60% MAIS BAIXOS

O aumento da demanda pelo serviço de atenção domiciliar em saúde veio acompanha do incremento da demanda por profissionais, equipamentos e insumos. A equipe da Bem Multiprofissional, que antes contava com 60 a 70 profissionais saltou para 120. “A situação está bem complicada em nível de home care com falta de profissionais, de equipamentos, e a população não está muito preocupada em se cuidar”, pondera Emerson Veduvoto, proprietário da empresa.

“É fato que houve muitas complicações para nós nesse período. Imagina o aumento da procura por equipamentos, materiais, EPIs”, explicita Ari Bolonhezi, diretor do Nead. “Isso fez com que houvesse uma demanda tão grande que comprometeu a entrega de produtos e elevou demais os preços, chegando a 1.000%. Isso trouxe um desequilíbrio em relação aos custos, apesar de a atenção domiciliar ser mais barata que os hospitais.”

Segundo Bolonhezi, os custos da atenção domiciliar são em média 40% a 60% mais baixos em relação ao ambiente hospitalar para o mesmo quadro clínico. Ele explica que a diferença está relacionada aos custos da estrutura. “Quando você está na estrutura hospitalar, você está pagando por tudo o que usa e o que não usa, o precisou e o que pode precisar. Usando ou não, tem uma estrutura básica que tem um custo.”

Os custos da estrutura hospitalar também envolvem os protocolos para evitar infecções ou que os medicamentos dos pacientes sejam trocados, por exemplo. “Num hospital você tem inúmeros doentes que não podem correr riscos. Quando você leva para o domicílio, tem um único paciente sendo tratado”, explica o diretor do Nead.

RECUPERAÇÃO É MAIS RÁPIDA NO AMBIENTE FAMILIAR

A recuperação em casa, segundo os especialistas, é mais rápida que no ambiente hospitalar devido ao ambiente familiar. “O melhor lugar para convalescer é o domicílio. O ânimo do paciente ajuda na recuperação”, diz Ari Bolonhezi, diretor do Nead. O risco de contrair doenças infecciosas no ambiente hospitalar também é afastado no domicílio.

“Você tem a vantagem de comer a comida feita na hora, no conforto do seu lar, estar no seu banheiro, vestir a sua roupa, ficar no seu quarto e ter a segurança de ser atendido em casa com oxigênio, remédios, fisioterapia. Isso não tem preço”, salienta Emerson Veduvoto, da Bem Multiprofissional.

A atenção domiciliar também afeta menos a rotina da casa, já que não é necessário que uma pessoa da família precise se deslocar para o hospital para acompanhar o paciente. “Dentro do domicílio você tem a família em tempo integral, participando integralmente da reabilitação não só no aspecto assistencial, mas motivacional. O paciente sente também o nível de ansiedade menor”, comenta Rafael Casagrande, da Lar e Saúde.

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