Criado em 1998 pelo MEC (Ministério da Educação) com o objetivo de avaliar o desempenho dos estudantes ao fim do ensino básico, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) passou por uma reformulação em 2009, quando ganhou caráter de processo seletivo, e duas décadas depois se consolida como importante meio de acesso às universidades do País. Em diversas ocasiões o exame teve sua lisura posta em xeque em meio a denúncias de furtos e vazamentos de provas e erros de impressão, mas educadores são unânimes em reconhecer a relevância do Enem. As provas do Enem foram realizadas em dois domingos – dias 4 e 11 de novembro.
Professora de redação e gramática e coordenadora do Curso Prime Londrina, do Grupo Sigma, Márcia Chiréia considera o Enem uma poderosa ferramenta para mensurar o trabalho desenvolvido por alunos e professores ao longo dos três anos do ensino médio. “É uma prova necessária no Brasil, foi um mal necessário porque olhou-se mais para a educação a partir do Enem. A tendência é cada vez mais as universidades se utilizarem da prova para receber os alunos”, afirma.
Chiréia aposta em um aumento gradativo, nos próximos anos, do número de universidades que irão substituir os vestibulares pelo Enem. “Não vai chegar a 100%, mas a maioria das vagas nas universidades será pelo Enem em um futuro não muito distante. Hoje, a maioria das federais e boa parte das estaduais têm vagas para alunos do Enem”, ressaltou ela, sem deixar de lado as críticas ao modelo de avaliação. “O principal objetivo do Enem é medir as habilidades leitoras dos alunos e, naturalmente, as questões cobram bastante a interpretação. Mas no meu ponto de vista, há enunciados demasiadamente longos que poderiam ser mais sucintos”, comentou.
A professora também vê aspectos negativos no modelo exigido de redação. “A proposta de intervenção, que é o formato do Enem, prejudicou a escola. A maioria das escolas, hoje, não está preocupada em ensinar o aluno a escrever, mas a escrever a redação do Enem. Elas se preocupam muito em ensinar um único formato e tira um pouco do papel da escola que é escrever para a vida e não para uma prova”, disse Chiréia. “A redação ficou muito mecânica. O que talvez melhorasse um pouco seria o Enem deixar mais livre o formato da redação”, opinou. “Mas eu vejo uma importância gigante do Enem. Se não tivesse (o exame), estaríamos em um quadro pior na educação, porque está vergonhoso.”
Professor de matemática da Rede Maxi, de Londrina, Marco Antonio Velasco Capri destaca como ponto positivo no Enem a preocupação em colocar as ciências aplicadas a situações cotidianas. “É muito diferente dos vestibulares tradicionais, que tentam cercar os conteúdos do ensino médio. O Enem não tem isso. Eles tentam colocar uma matemática mais natural, mostrar que a matemática serve para as questões práticas do dia a dia.”
Na prova de matemática deste domingo (11), avaliou Capri, os alunos que utilizaram provas de concursos anteriores como treinamento certamente não tiveram dificuldade para resolver as questões e nem estranharam o conteúdo cobrado. “Algumas questões do Enem na matemática não são só de habilidade de cálculo. Tem questões de noção de espaço, orientação, às vezes é só uma interpretação de gráfico, uma análise de tabela.”
Capri considera “fundamental” a realização do Enem. “Há universidades de fora do Brasil usando o Enem. Eu, como professor de pré-vestibular, vejo alunos abrindo mão do vestibular para fazer o Enem porque vê possibilidades maiores de acesso à universidade”, lembrou. No Brasil são 1.434 instituições que usam o Enem e em Portugal, 35.
Na semana passada, após polêmicas envolvendo duas questões da prova de linguagens, aplicada no primeiro dia do Enem, o presidente eleito Jair Bolsonaro chegou a declarar que a partir do próximo ano pretende ter acesso às questões antes da aplicação das provas. Para Chiréia, as declarações configuram censura e demonstram desconhecimento acerca do exame. “O Enem é extremamente sigiloso, pouquíssimas pessoas têm acesso às questões selecionadas por cada banca. E a prova da semana passada tinha 90 questões. Apenas duas mencionavam alguma coisa em relação à questão de gênero. Acho interessante porque já caiu dialeto do futebol e ninguém disse nada. Mas como a gente está vivendo um momento com ânimos exaltados, houve toda essa polêmica.”
O presidente eleito, disse, durante a transmissão de cerca de 40 minutos feita nas redes sociais, que “No Enem do ano que vem, pode ter certeza, fique tranquilo, não vai ter pressão dessa forma no ano que vem. Nós vamos tomar conhecimento da prova antes. Vão ter perguntas sobre Geografia, dissertação sobre História, questões voltadas ao que interessa ao futuro da nossa geração, do nosso Brasil”, disse Bolsonaro, ao comentar uma das questões que tratou do pajubá, dialeto secreto de LGBTs. (Com Agência Estado)