Residência médica tem 40% das vagas desocupadas

Quase 23 mil vagas para as especialidades médicas estão em aberto em todo o País

Gustavo Carneiro - Lucas Mello está no primeiro ano de residência em clínica médica no HU; objetivo é cursar cardiologia

Lucas Mello está no primeiro ano de residência em clínica médica no HU; objetivo é cursar cardiologia

Quase quarenta por cento das vagas autorizadas de residência médica no País não estão ocupadas. É o que aponta estudo feito pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), USP (Universidade de São Paulo) e Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Conforme a pesquisa, o número reflete a desistência dos estudantes, motivada principalmente pelo “nível dos cursos e dos professores”.

São 22.890 vagas em aberto para as especialidades médicas em todo o Brasil, o equivalente a 39,4%. No total, são 58.077 vagas autorizadas. Os números são referentes a 2016. Enquanto isso, faltam profissionais especializados na Secretaria de Saúde de Londrina, conforme afirma Cristiana Nascimento, diretora de planejamento e gestão em saúde.

“Temos falta de médicos em saúde da família, pediatria, ginecologia e obstetrícia”, revela. Além disso, profissionais que atuam na atenção primária no município também são necessários. Esses médicos podem ser generalistas ou especializados em saúde da família e comunidade.

No entanto, a procura de residentes pelo programa de medicina em saúde da família é baixa. No Hospital Evangélico há 13 especialidades, mas a única com vagas ociosas é a de medicina em saúde da família.

Já na AMS (Autarquia Municipal de Saúde), quatro médicos estão cursando residência em saúde da família, de um total de seis vagas disponíveis. Denise Pavan, supervisora da Coreme (Comissão de Residência Médica), do Hospital Evangélico, revela que são cinco vagas desocupadas no Evangélico. “Não é um programa procurado pelos médicos, temos seis vagas e só uma está preenchida.” A especialidade não é uma exclusividade para médicos formados: outros profissionais da saúde podem exercê-la.

Pavan alega que os médicos com especialidade em medicina da família e comunidade ficam restritos à atenção básica nas UBS (unidades básicas de saúde). Isso seria um motivo da ociosidade para a residência. O HU (Hospital Universitário) de Londrina não abriu vagas para tal especialidade neste ano porque não houve procura: eram seis vagas disponíveis.

O Evangélico também oferece 12 vagas para anestesiologia, quatro para cirurgia geral, seis para clínica médica, uma para cirurgia vascular, seis para ginecologia, uma para neurologia, duas para nefrologia, três para ortopedia, três para radiologia, uma para urologia, duas para medicina intensiva e uma para neurocirurgia. Todas estão ocupadas, sendo a última a mais procurada.

Quanto ao HU, são 65 vagas, igualmente preenchidas. Quatro para anestesiologia, oito para cirurgia geral, 16 para clínica médica, três para dermatologia, duas para infectologia, uma para neurocirurgia, duas para neurologia, oito para obstetrícia, duas para oftalmologia, três para ortopedia e traumatologia, duas para otorrinolaringologia, uma para patologia, dez para pediatria e três para psiquiatria.

DILEMA 
Os residentes recebem uma bolsa mensal de R$ 3.300. Quanto aos hospitais universitários de universidades federais, o financiamento vem direto do MEC (Ministério da Educação). No caso de hospitais vinculados a universidades estaduais, como é o caso do HU de Londrina, e de hospitais privados, os recursos para pagamentos das bolsas vêm de seus próprios serviços. Já para os hospitais filantrópicos, como é o caso do Evangélico, os repasses vêm do Ministério da Saúde.

“Entramos com vários processos em ministérios diferentes para conseguir a vaga e a bolsa. Às vezes conseguimos a vaga e ficamos anos até conseguir que o Ministério da Saúde publique o edital para a bolsa”, pontua a supervisora. “Como não existe residência sem bolsa, o hospital teria de arcar com o pagamento do residente, o que não conseguimos fazer”, diz, sobre a abertura de vagas para especialidades mais concorridas.

Para a presidente da comissão estadual de residência, Tatiana Cordeiro, as vagas ociosas no Paraná, que estão em sua maioria vinculadas à medicina da saúde e família, são consequência da falta de interesse dos estudantes. “A medicina de família é uma área ainda relativamente nova no Brasil, comparada com as demais especialidades. Ela tem hoje ainda um viés voltado ao trabalho público, um serviço, para atenção primária em saúde, e justamente por isso desperta pouco interesse aos alunos”, diz.

Cordeiro entende que a desocupação das demais vagas nas especialidades está relacionada ou ao volume de pacientes a serem atendidos, à infraestrutura do hospital, ou da preceptoria qualificada.

DISCREPÂNCIA ENTRE AS REGIÕES 
A distribuição de residentes pelo País é desigual: Sudeste e Sul concentram a maior parte. Mais da metade dos residentes inscritos no ano passado está no Sudeste. Já a Região Sul responde por 16% do total dos residentes. São 19 residentes para cada 100 mil habitantes no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, enquanto a média nacional é de 16,9.

Lucas Mello, 24, está no primeiro ano de residência em clínica médica no HU. A especialidade é pré-requisito para cardiologia, meta dele. Para a residência, todas as vagas estão preenchidas. “Foi muito concorrido”, revela. O médico acredita que ainda que faltem médicos da família em Londrina e muitas vagas estejam desocupadas, não é financeiramente viável para os profissionais optarem por essa especialidade. “Vale mais a pena trabalhar como médico generalista em postos de saúde do que fazer a própria residência em saúde da família, que é a mesma rotina, mas financeiramente pior”, explica.

O estudo do CFM, intitulado Demografia Médica 2018, mostra a discrepância entre os médicos que cursam o primeiro ano de residência (R1) para os que seguem a formação. A desistência é alta: no ano passado, médicos que cursavam R1 representavam quase 6.000 vagas desocupadas. Para o segundo ano (R2), o número é 77% maior.

O CFM também aponta a qualidade do curso ofertado como um motivo para as desistências. Os estudantes que deixam as residências no HU são poucos, segundo Mello. Para ele, a especialidade que cursa hoje é de boa qualidade. No entanto, o estudo não aponta uma explicação para o fato de que, mesmo entre as especialidades mais requisitadas – clínica médica, pediatria, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia –, há 30% das vagas autorizadas desocupadas no País.

Isabela Fleischmann
Reportagem Local

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